711 km em 7 dias. Mais que uma viagem, uma etapa na minha vida

Um relato sobre a bike trip pela nostálgica Estrada Real.

Simplesmente pelo fato de nos tirar da zona de conforto e ambiente de segurança, toda viagem nos transporta para novos níveis de percepção e consciência. Nunca voltamos do mesmo modo em que saímos, sempre aprendemos algo novo com outras culturas. Nesse momento nós temos a oportunidade de olhar a nossa vida em perspectiva comparativa com aquilo que vemos e experimentamos, diferente da rotina diária.

“A vida começa quando acaba a sua zona de conforto” – Neale Donald Walsch

No entanto, existem apenas viagens, e existem “as” viagens. Aposto que nesse momento você se recordou de uma em especial, não é? Algumas viagens não apenas nos levam a conhecer novos lugares, mas também nos transformam profundamente. Quanto mais desafiadores e excêntricos forem a forma de percorrer a jornada e o destino a ser atingido, maior se torna o seu poder transformador. Quanto mais distante uma viagem for da nossa realidade cotidiana, maior o desafio para enfrentar o desconhecido, requerendo que lancemos mão da nossa criatividade e habilidades de relacionamento para solucionar problemas. Quando navegamos em direção ao desconhecido, ativamos todos os nossos talentos e habilidades, nos aproximando do aproveitamento máximo de nosso potencial, às vezes desconhecido.

Roteiros desafiadoras são como botões de reset nas nossas vidas, nos fazendo ser como crianças novamente, abrindo uma janela para o conhecimento e descoberta que trazem inúmeros benefícios para as nossas vidas profissionais.

Em Setembro de 2017, logo no dia 1º eu tirei férias e embarquei para um destino aventureiro com a bicicleta na mala. Ao contrário da maioria das pessoas “normais” que buscam destinos tradicionais para relaxar, minha viagem não se comprava em pacotes nas agências de turismo. Pedalando a mais de 10 anos eu já realizei em torno de 4 ciclo viagens de curta e média distância sempre acompanhado de outros colegas ciclistas. Porém sempre foi um sonho pessoal percorrer sozinho o velho caminho da Estrada Real, que liga Ouro Preto em Minas Gerais até o litoral de Paraty no Rio de Janeiro, passando pelo Vale do Paraíba no estado de São Paulo.

No total eu pedalei 711.5 quilômetros durante 7 dias, passando por 3 estados, consumindo 23.196 calorias, acumulando 14.408m de altimetria e somando 52 horas de atividade física. Foi cruzando municípios pacatos com pouquíssima ou nenhuma infra estrutura, mas recheados de história rica e beleza natural que eu tirei 5 grandes lições que uma viagem desafiadora pode trazer para sua vida e carreira:

1) Motivação

Muitos me perguntaram, “Por que você tirou férias pra sofrer?”. Pois é, eu pensei nisso durante os dias em que o termômetro marcava temperaturas superiores a 32º graus, sombra era luxo e a cidade mais próxima estava a 40 km de distância. Ali no meio do nada, a automotivação falava mais forte, porque o destino final não era fator preocupante para mim, eu apenas me dedicava em curtir o máximo possível daquele único momento, sabendo que velocidade não faria sentido e logo poderia fadigar físico e mentalmente. A força de vontade estava em manter o ritmo cadenciado dia após dia.

2) Humildade

Não importa o quão importante ou significante sejamos na nossa vida em nosso lugar de origem e trabalho, viajando para lugares desconhecidos nos tornamos todos iguais, pois o que conhecemos previamente não tem valor algum aqui. Isso se tornou bem claro pra mim no 4º dia de viagem ao chegar na cidade de Caquende – Mg já no final da tarde, mas o destino final estava noutro lado da represa que faz divisa com Capela do Saco – Mg, já que ali não existiam opções de hospedagem. Para atravessar, só uma opção: balsa. Mas cadê a balsa? Sim, ela não estava trabalhando naquele dia. Por sorte, um senhor muito de boa prosa chegou de camionete com um barco engatado até na margem onde eu estava pensando no que fazer diante daquela situação. Esse barco seria vendido a um comprador que atravessaria a represa para comprá-lo, logo eu poderia pegar uma carona. Assim que ele chegou expliquei minha situação e o mesmo não pensou duas vezes em me levar até Capela, mesmo fugindo de sua rota. Chegando lá…

3) Mindset

Percebi que o município era apenas uma praça em frente a igreja e um bar. Nada mais. Além disso estava sem conexão à internet e sinal de celular e o único telefone público era apenas enfeite. Minha maior preocupação estava em avisar os familiares do meu check in final naquele dia, então sai pedindo ajuda aos locais e consegui um celular emprestado com a dona do bar, que só pegava no pé da igreja, mas foi o suficiente para uma conexão a cobrar de 30 s. A única pousada dali estava aos cuidados de um funcionário contratado pela proprietária que também cuidava das refeições, mas ela estava fora. Então naquela noite nem pensar em jantar no quarto. Deixei as coisas na pousada e voltei ao mesmo bar, dessa vez em busca de um bom prato, que foi feito pela dona com carinho mesmo ela não prestando esse serviço normalmente. Isso era algo que eu não esperava e abriu um novo caminho de pensamento e investigação de comportamento para mim. Novas perspectivas, novas possibilidades, novos modos de agir inaugurados!

4) Foco

Eu pedalava em média 8 horas por dia debaixo de sol forte em terrenos difíceis de percorrer, como subidas em trilhas, descidas com pedras e cascalhos. Situações como essa podem facilmente causar um estresse mental ou alguma fadiga física por repetição, que por sua vez tiram o foco implicando em acidentes ou outras baixas. A única forma de manter a resiliência é focando no que é necessário em cada instante com cabeça no momento, no presente. Respiração, visão, audição e controle de alimentação e hidratação são os combustíveis do foco. Certa vez, Ayrton Senna descreveu sua pole do GP de Mônaco de 1988:

“ Eu já estava na pole, primeiro por meio segundo, depois por um segundo, e eu continuei baixando. De repente eu estava dois segundos mais rápido que todos os outros, incluindo meu colega de equipe com o mesmo carro. Repentinamente eu percebi que já não estava mais pilotando o carro conscientemente. Estava pilotando por um tipo de instinto, como se eu estivesse em uma dimensão diferente. Foi como se eu estivesse em um túnel, não apenas o túnel do hotel, mas todo o circuito era um túnel. Eu estava indo e indo e cada vez mais e mais e mais rápido. Estava bem acima do limite, mas ainda capaz de encontrar muito mais. Então eu acordei”.

Foco, não?

5) Superação

Quanto maior o desafio enfrentado em uma viagem, mais fortes nos tornamos. Fazer coisas que normalmente não fazemos no nosso cotidiano, como visitar lugares inóspitos ou longínquos, trilhas e escaladas, etc., revelam forças e habilidades interiores que muitas vezes não imaginávamos que tínhamos, nos fortalecendo. Eu precisei me superar a cada dia pra chegar em Paraty com saúde, sem nenhuma baixa e emocionado em realizar um antigo sonho, de fato uma etapa na minha vida.

Com esses pontos de reflexão meu objetivo era passar apenas um pouco das experiências vividas por mim que ajudaram a reinventar o meu comportamento profissional, que de tempos em tempos precisa sofrer uma reoxigenação. Espero que também tenha sido construtivo pra você, leitor. Experimente algo desse tipo, não precisa ser longa, mas profunda. Pode ser para qualquer lugar, desde que seja também para dentro do seu ser. O prazer das coisas é passageiro, enquanto o das experiências nos acompanha na memória por toda a vida. Não precisa ser longe, mas diferente.